QUANDO TE VI
Música e letra de Luiz Alberto Machado
Quando eu te vi assim de vez
perdi o que havia em mim
e no olhar fervia a lei
de não predestinar o fim
enquanto o sim
fosse o teu talvez
talvez sonhar
talvez sofrer
talvez a vida fosse assim
talvez
Quando eu te vi assim de vez
a timidez se socorreu em mim
e pela luz de tua tez
pensei haver nascido enfim
o mundo novo que eu sempre quis
talvez sonhar
talvez sofrer
talvez a vida fosse assim
talvez
mas a profundeza que esse amor legou
e se fez em flor
refloresceu em si
foi muito
o sonho
a dor
o riso
a tua cor
ficou em mim.
© Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. In: Primeira Reunião. Recife: Bagaço,
1992.
QUANDO TE VI from LUIZ ALBERTO MACHADO on Vimeo.
QUANDO TE
VI – Essa canção nasceu numa tarde de maio na segunda metade dos anos de 1980, ao
dedilhar no teclado os sentimentos devotados àquela musa que ocupava meu
coração. Estava eu no meio de um idílio escondido, daquele devastando tudo,
evoluindo no campo da incerteza e construindo a paixão legendária. Não havia
futuro nem passado, apenas o presente de nossas vontades impetuosas de se
entregar ao arrebatamento dos nossos avassaladores desejos. Tudo era
impossível, tudo conspirava contra, contudo persistíamos completamente
dominados pela atração dos nossos corpos.
Como os
quereres da nossa abrasadora comunhão perseguiam-me todos os intentos, repetidas
vezes, manhãs, tardes, noites e madrugada adentro, tal como a mulher que se ama
de forma inatingível, a melodia se insinuava sem que eu tivesse a mínima noção
no que resultaria. Era a amada ardentemente desejada e a canção se insinuando
como se a própria fosse: era a forma de eu tê-la por todo momento.
Dias,
semanas, meses e anos o tema me perseguindo toda vez que eu me sentava ao
teclado, tomando corpo por si só, sem que eu me dedicasse além do exercício,
pois, não era mais que isso: era a emanação intuitiva do sentimento. Experimentava
formas para condução melódica sem que eu tivesse como definir nada além de me
exercitar, como se expressasse apenas o que se passava por dentro de mim no
meio daquele redemoinho.
Um dia,
acidentalmente eu resolvi incorporar uma harmonia e, aí, a canção tomou vulto e
foi se aperfeiçoando até eu me dar conta de que poderia virar música de mesmo. Era
um desafio porque virou gestação de um parto imprevisível, tal qual amor
impossível que se alimentava dos encontros fortuitos e às escondidas.
Tal como o
amor que se agiganta dominando tudo, a música formava, sozinha, sem que eu
pudesse intervir ou descartá-la num aborto. Virou, então, obsessão, tanto a
paixão, como a canção. E de tanto trabalhá-la, de primeira percebi que seria só
instrumental por exprimir tudo que eu sentia. Ela própria tivera vida e mandava
ver. Não precisaria que dissesse nada, só executá-la, tal qual encontro ansiado
em que os beijos e abraços falam por si só. Tudo estava dito só com a sua
execução, mais nada.
Como
sempre fui muito inquieto, fui trabalhar outras experimentações, apenas para
exercitar o instrumento e dela me esqueci, como naqueles momentos em que o
namoro trava e não mais pode prosseguir. Assim eu achava.
Passei
mais a me ocupar com trabalhos ao violão como quem tenta esquecer uma paixão na
busca por outra. E a canção se perdeu num canto recôndito da memória, como se o
namoro tivesse sido definitivamente acabado. Havia um misto de sentimentos de
libertação e derrota, quando, na verdade, estava apenas encruada e permanecia
firme nalgum recanto do meu ser.
Doutra
feita, ao voltar ao piano levado para outras incursões melódicas, no meio de
tudo e do nada, ela reapareceu, se insinuou e insistiu que me dedicasse mais
atentamente na sua feitura. Aliás, ambas reapareceram: a mulher e a canção. Era
inevitável. Passou-me, então, aquela melodia a repisar meus pensamentos e
ideias demasiadamente, até levá-la duma vez pro violão como quem leva a amada
pra cama para consumar o fato e, burilando a sua raiz para tê-la completamente
desenvolta, ela se alojou de vez nas minhas projeções, a ponto de solfejá-la
constante e demoradamente até ter a percepção de que deveria letrá-la. Esse o
segundo e laborioso desafio.
Mesmo
quando ocupado noutros afazeres, ambas, o amor e a canção, se mantinham
remoendo na cabeça. Além desse tormento, os primeiros versos criados
intuitivamente não cabiam nas frases musicais e dava muito trabalho
enquadrá-los para que coubessem certinhos dentro da melodia. Virou suplício,
como um segundo parto, agora cônscio.
Dias,
semanas, meses, acho que até anos perseguidos pela melodia, depois de calibrada
nas ideias pelo excesso de álcool e uma ressaca tumultuosa dentro de mim pela tarde
festeira com a mulher que causara tudo isso, nasceu a primeira frase e, duma
levada só, toda letra aparecia pronta com tudo que eu queria dizer. E como quem
rega, acarinha, afaga o corpo da mulher, carpintei, ajeitei, rearrumei e, ao
cabo de mais dias ou semanas, rebentou tudo: a letra e a música. Definitivamente,
estavam prontas. E na primeira tarde oportunizada e que já se prenunciava a
despedida definitiva, pude então cantá-la pra responsável de tudo: missão
cumprida. E nos entregamos dolosamente, nos festejamos com todos os prazeres
até então preteridos e pudemos ter naquele momento o que jamais tivemos: a
entrega plena e a cumplicidade eterna.
O amor se
foi e a canção mergulhou no esquecimento, até o dia em que, anos mais tarde, Jarbinhas
Barros me deu o prêmio de executá-la ao violão, resultando numa gravação que
virou clipe na arte da saudosa irmã dele, Derinha Rocha. Um presente duplo. A
canção renascia. E com a oportunidade de realizar o show “Crônica de amor por ela”, por ocasião do Projeto Palavra Mínima, da Comusa, em 2011, fiz questão de
cantá-la com a roupagem que lhe dei atualmente e que ganhou, também, dois
clipes, agora pelas mãos da querida amada Meimei Corrêa.