DESEJO – A minha música “Desejo” nasceu de
sopetão. Foi assim mesmo: teibei.
Tudo começou um dia quando a namorada
me ligou de manhã com um convite para o almoço. Estava eu, na época, como
redator geral de uma emissora de rádio, carregado de trabalho até as pestanas.
Coisa de louco. Toda manhã era correria da grande, iniciada pelas 4 da
madrugada e só se concluía por volta do meio dia, quando eu entrava no ar para
apresentar outro programa jornalístico. Era uma barra ter que preparar um
jornal com uma crônica diária que ia pro ar às 7 em ponto, elaborar notícias
para serem veiculadas de meia em meia hora, até fechar o programa noticioso de
meio dia. Estafante, porém, tarefa deliciosa demais.
Foi exatamente no meio dessa
loucura, que recebi a intimação com hora e local marcados e, não tendo
escapatória, aceitei. Afinal, era uma convocação irrecorrível.
Lá, por
volta das 13 horas, eu cheguei todo avexado, como sempre. O suor correndo da
tampa aos fundos aumentava mais o meu vexame. Entretanto, era hora de relaxar
da labuta diária e tomar ciência da razão do convite.
Foi quando
de forma inexorável e com cara de poucos amigos, a namorada tascou:
- Sabe que
dia é hoje, Luiz Alberto Machado?
Ih! Pelo
soletrado do meu nome completo, sabia que coisa boa não viria para minha banda.
- Sei -,
respondi.
- Então, me
diga que dia é hoje?
-
Sexta-feira!
-
Sexta-feira de que mês?
-
Sexta-feira, 18 de abril de mil novecentos e…. -, soltei sem nem saber direito
mesmo que ano era (acho que foi de 86, 87 ou 88, por aí, um desse).
- Certo. E o
que isso representa, Luiz Alberto Machado? -, cada vez que ela dizia meu nome
de forma repuxada, enfática e detalhada, mais eu percebia que o mar não estava
para peixe.
- Hum?!?
- Isso
mesmo, senhor Luiz Alberto Machado. O que representa o dia de hoje?
Gente, eu
vasculhei todos os arquivos do cérebro e só me vieram à memória as comemorações
do Dia de Monteiro Lobato e, por causa disso, o Dia Nacional do Livro Infantil,
também Dia do Amigo, aniversário de morte de Einstein e… (era me lembrando e
gaguejando em voz alta, e ela só sim, sim, sim…. e que mais?).
Vixe, que
aperto! Que mais? Será que esqueci algo importante? Danada dessa minha
ignorância, sempre passando batido em tudo. Ô memoriazinha essa para me deixar
sempre na mão.
- Que mais?
-, indaguei com a cara mais atarantada de quem perdeu o bonde do mundo e com a
sensação mais cínica de que estava passando em branco por algo que não deveria
jamais farrapar.
- Sim, isso
mesmo, senhor Luiz Alberto Machado.
- Peraí -,
pedi arrego e fiquei matutando enquanto tapiava com pedido de cerveja.
- Hum….
deixa ver, 18 de abril, é… e…. -, rebuscava até dos registros acásicos para
minha salvação naquele momento cilada e ingerindo ligeiramente a cerveja. Que
saia-justa! E me arrependi de ter aceitado o convite na hora.
- Pois é,
senhor Luiz Alberto Machado. Já que não se lembra, vou refrescar sua cabecinha
tola: hoje é meu aniversário. E agora vou deixá-lo num mato sem cachorro: cadê
meu presente?
Minha nossa!
E agora? Procurei terra no chão, não encontrei. Procurei um buraco para me
socar e nada. Danou-se! Como sair dessa, hem? Não deu outra. Com o riso mais
amarelado impossível, peitei:
- Surpresa!
O seu presente está na mala do carro! Queria mesmo ver a sua carinha de
invocada! Peraí, deixa eu tomar uns goles que já vou trazer o seu presente.
Fiz o que
pude para empurrar com a barriga a situação.
O que eu
tinha para dar de presente? Nada.
Sair
correndo para comprar àquela hora só confirmaria que eu esqueci bonitinho da
data.
Não podia.
Tinha que
sair do aperto de qualquer jeito e tome gole e as catracas do quengo fumaçando.
Gente, que
viela!
Pensei
comigo: agora tô fudido mesmo. E tome gole de cerveja e blá blá blá.
- Luiz
Alberto Machado não enrole, cadê meu presente?
As idéias
davam nó no juízo quando arrisquei:
- Vou
buscar, dois minutos só.
Virei o
copo, saí do restaurante sem saber o que fazer enquanto ela me acompanhava com
o olhar aos mínimos movimentos.
Abri a mala
do carro e só tinha uns papéis, dois gravadores e o violão.
Ih! E agora?
Fiquei
remexendo na mala do carro como que estivesse procurando algo.
De vez em
quando eu voltava o olhar para ver a situação e ela lá vigilante, inexorável.
Fiz uma
procura demorada mexendo nas coisas, remexia tudo, revirava, mãos na cabeça,
coração saindo pela boca, garganta seca, a terra rodando, a coisa ficando feia,
quando resolvi pegar um calhamaço de papel, um dos gravadores e o violão.
Voltei atrapalhado,
papel voando, gravador se espatifando no chão me fazendo voltar para pegar
outro providente gravador, apanhei o rebentado e segui pra mesa.
Quando me
sentei, ela cruzou os braços e fez a cara mais reprovadora do mundo.
Ora botava
as mãos nos quartos com ar nada açucareiro, ora se fechava com a mão no queixo,
sobrancelhas cerradas e olhar interrogativo de quem vai mandar ver numa
sentença pra lá de condentória.
Ah essa
minha mania de estar sempre pulando aperto. Sempre assim. Contudo, não dei o
braço a torcer e comecei a dedilhar o violão dizendo:
- Olha só, o
seu presente está pronto, só que não decorei ainda. Vou ver se me lembro
detalhadamente. É assim….
E fiquei enrolando
versos criados na hora, cantarolando uma melodia que não existia e fazendo e
refazendo tudo, sempre dizendo que havia lembrado, eita, já esqueci, ah,
lembrei de novo, sim, é isso e assim foi.
Ao cabo de
meia hora mais ou menos de peitica e peleja, eu disse:
- É isso,
seu presente é esse:
Quero ficar no seu
coração
E assim poder sonhar
Toda aventura que
pintar da emoção
Todo fervura que
brotar da sua mão
Para iluminar a
reticência que aprumou a minha vida
E um dia ser feliz e
nada mais
Quero ficar no seu
coração
E assim me agasalhar
Do frio impune que
semeia a solidão
E feito imune repetir
a sensação
Que vai para lua na
volúpia mais fervida
E um dia ser feliz e
nada mais
E quando o jeito de
você virar absoluta adoração
Será o véu perfeito e
a ternura abraçará minha ilusão
Quero o meu destino a
confundir-se com o seu
E sermos um, o que a
sina prometeu
E o que sobrar de nós
será um ninho verdadeiro
E um dia ser feliz e
nada mais
Gente,
verdade! Do jeito que fiz, ficou. Enrolei tanto que a música ficou prontinha
com a letra e tudo.
Ufa!
Como estava
em processo de criação não deu para acompanhar as feições que ela deve ter
exposto na maior das desconfianças. Só sei que ao terminar de cantá-la todinha
(devidamente registrada no gravador para não perdê-la e nem confiar na
memória), eu abri os olhos e flagrei um lindo sorriso dela.
- É pra mim?
-, perguntou-me com o jeito de menina angelical e com as faces risonhas de quem
ganha um presente daqueles sonhados e que muito gostou.
- Sim, pra
você. É sua.
- Não
acredito!
- Verdade.
Vou copiar a letra agorinha aqui para que você guarde como o meu presente pro
seu aniversário.
E copiei a
letra numa folha, coloquei a data e assinei. Pronto, estava dado o presente.
Passaram-se
os anos, o namoro se foi, mas a música ficou.
Incorporei a
letra nos meus livros publicados “Paixão Legendária”, de 1991, e na antologia
“Primeira Reunião”, de 1992. E eu sempre cantarolei a canção nas minhas
modestas apresentações musicais, em recitais, saraus, lançamentos e por aí, até
o dia, muito tempo depois, em que Derinha Rocha pegou uma câmara e me filmou
cantando a dita canção.
A minha
performance não estava lá grande coisa, mas gostei e aceitei a indicação de
abrir uma página no YouTube.
Por causa
disso a coisa pegou e com poucos dias tinha mais 2 mil visitas.
Fiquei,
claro, maravilhado com isso.
Por causa
disso, em 2007 (ou foi 2008?), a Sônia Mello me liga e diz que quer gravar essa
e outras músicas minhas. Sonia Mello? Exatamente a cantora que nos anos 70 e 80
gravou uma penca de long-playngs só com músicas de Roberto & Erasmo Carlos.
Eu mesmo já havia me apaixonado por ela só por causa da capa de um dos discos
em que ela está encostada num SP2 (lembram? Era o carro dos meus sonhos
adolescentes!). Oxe! Então, um pedido desses a gente não nega, né? Fiquei mais
assanhado que pinto no lixo. E todo atabalhoado fiz atender seu pedido. Peguei
o violão, gravei do jeito que saiu, passei pro computador e enviei duas:
“Desejo” e “Aurora/Minha Voz”. Fiquei com o coração na mão. A expectativa,
nossa! Um abismo de espera.
Quando ela
falou comigo pedindo as músicas, ela me disse que era para integrar um projeto
de um cd que ela estava gravando sob o título de “Destino” e que, entre outras
músicas, uma delas era uma feita pela respeitável dupla Roberto & Erasmo
exclusivamente para ela. Ora, estar ao lado dos compositores mais aclamados
pela população brasileira, não era coisa para se relevar, não acha? E apois, foi.
Quando dei por nada na vida, recebo um mail e uma ligação dela.
- Luiz, dá
uma olhada e me diz se Desejo ficou ao seu gosto.
Como é? Abri
a caixa de mail e lá estava. Ouvi, ouvi, reouvi e não me contive. Estava bem
demais com o arranjo que o Guga Mendonça fez. Nossa, dessa vez o presentação
era meu. E o melhor ainda estava por vir. É que ao invés de “Destino”, ela
nomeou seu disco “Desejo”, ou seja, a minha música se tornava o carro-chefe do
seu projeto. E Roberto & Erasmo? Claro, não só inseriu a música deles, como
também a minha “Aurora/Minha voz”. Nossa, uma festa!
Em 2008,
mais de 20 anos depois da criação da música, me encontro com a Sônia Mello e
ela me entrega o cd em mãos. Fiquei tão abestalhado que falei pelos cotovelos,
a ponto de me esquecer uma coisa importante: de agradecer. Pois, foi. Veja que
sujeito mais melepeiro sou eu. Esqueci do aniversário da musa, esqueci de
agradecer também a intérprete. Coisa de ingrato brabo.
Quando é em
2010, “Desejo” me proporciona mais um momento de alegria: foi premiada com o primeiro
lugar no FEMI 2010 (Festival da Música Independente), promovido pelo Projeto
Sociocultural Vozes do Meu Brasil e do Clube Sua Arte na Rede, que reuniu no
Japão mais de 600 composições do planeta, peneiradas para 60 avaliações,
resultando em 20 escolhidas. Eita! Realmente foi. Fiquei todo ancho, chega me senti
maior que o meu próprio tamanho (desce, desgraçado!). Só me resta uma coisa: a
minha gratidão pela interpretação e iniciativa da Sônia Mello.Também do
flagrante para criação dos clipes (primeiro, o meu solo; depois, a homenagem à
Mônica Belucci com a canção na voz de Sônia) feitos pela saudosa Derinha Rocha.
E mais ainda agora quando a querida Memei Correa realiza mais uma expressão de
sua arte, primeiro com a interpretação de Sônia Mello e, em seguida, com a
minha apresentação no show Crônica de amor por ela, em 2011, ao me presentear
com mais esses clipes para essa canção.
Se sou
merecedor ou não, não importa, o fato é que essa canção tem sido agraciada pela
simpatia de pessoas tão especiais para mim, o que já é o suficiente para me
fazer feliz além do mérito. Nada mais justo, então, demonstrar para vocês que
fizeram dessa canção o meu grande prêmio, por isso, o meu muito obrigado eterno.
PS: Publicado originalmente no dia 13/08/2010 no
Tudo Global e todos os registros da canção no BlogAgenda.
OBSERVAÇÃO: Agora a música Desejo está concorrendo na categoria de Melhor Música e a cantora Sonia Mello como Melhor Cantora no Troféu Internet do SBT. Para votar na gente
é só acessar: http://www.sbt.com.br/trofeuinternet/voteaqui/
Veja mais Crônica de amor por ela.