sexta-feira, outubro 24, 2008
ENTREVISTA: OZI DOS PALMARES
Foto: Ozi dos Palmares & Luiz Alberto Machado, de Magda Zallio.
OZI DOS PALMARES: O DOM DE ENCANTAR
Luiz Alberto Machado
Quem viu - como eu vi -, lenta e laboriosamente a trajetória de um sonho se manifestar por inteiro, saberá o tamanho da precisão com que o artífice poliu engenhosamente sua obra final. E quando deparar com o resultado maduro verá o malabarismo constante para registrar múltiplos closes precisos, pôsteres reais na retina giratória duma lente a focar, em todas as direções, flagrando tudo e todas as coisas. Isso, sem contar, com o encontro com o dom de recordar coisas boas da mais remota data do coração, das gentes mais simples, das festas de tenra idade, recônditas na incólume emoção.
Aqui dou meu testemunho: o Ozi compõe com os condimentos pertinentes aos que sabem fazer do talento uma proposta séria e encantadora.
Oriundo das terras pernambucanas, o cantor e compositor Ozi dos Palmares delineia sua estrada de muitos matizes, em composições que vai desde os Caboclinhos do Rabeca, resgate cultural da sua terra, ao heterogêneo encontro com as variantes de todos estilos musicais. Um caldeirão esborrando os gostos da terra e da alma nordestina.
Abracadabra! E ele faz viva São João, fogos de 8 de dezembro na matriz, mungangas de terças de Zé Pereira, fubânicas louvações do Una: tudo fragmentos imanentes da realidade dos que são do rio, da cana, da praça, dos Palmares de Zumbi, de depois e dagora: o canto de luz e sangue na carne da raiz. Tudo misturado ao saracoteio, jinga, valha-me tudo e o escracho soberbo dos que estão escapando nas veredas do século XXI, comendo o hilário das mais sutis e simplórias minudências das gentes que povoam as províncias do seu rincão.
Prova disso são seus ritmos mixados: mambos, xotes, baladas, frevos, maracatus, afoxés, guaranias, sambas, baladas, boleros, um sincretismo usual capaz de delinear sua miscigenação: há muito de Nordeste, de Espanha, Turquia, África, dos países balcânicos, uma salada a partir da Tábua de Esmeralda até o sectarismo do Frei Damião Bozzano, tendo, entre tal parâmetro, uma diversidade mágica quase inconcebível. Porque tudo é possível no seu canto, inclusive uma fonte mágica com mosaico caleidoscópico de todas as imagens díspares que povoam as ruas da cidade natal e, por conseguinte, análogas no caldeirão criativo do seu sotaque.
Um sujeito genuíno enraizado na feira do mercado que dá em Caruaru, com Zé Condé, Vitalino e tudo dali.
Um sujeito talentoso de pegar no rabo do corisco e transcender na luz de Luiz Gonzaga, Patativa de Assaré, Jackson do Pandeiro, poetas, repentistas, macunaímas e bugres, gitanos e caetés, andaluzes e calungas.
Para mim que o conheço desde antanho – desde as molecadas de Santo Onofre, passando pelas zoadas no pé do maluvido das cachaçadas virando a noite insone e das cantorias esgoeladas nas escadarias da igreja da praça Maurity -, Ozi sempre foi e será o sumo do bom e do melhor.
Pro Brasil ele só apareceu com “Estréia”, seu primeiro disco. Depois, “No canto da boca”. Agora, “Vontade”. Tradução: bão demais de bom. Leia-se: eita cabra bom da gota!
Com esta discografia ele só ensaia, pois o danado tem um balaio cheinho de sons, solfejos e coisas que você nem imagina assobio, pantim, estalo de língua e muxoxo de beiço. Eu que o diga: é uma tuia de caçuá esborrando pelo ladrão de tanta música. Isso sem contar com seu estudo dedicado ao violão e ao canto. Coisa de ver: verdadeiro espetáculo.
O compromisso com o seu tempo e a sua terra contempla Ozi duma incandescência capaz de irisar o seu canto e a sua poética em canções salutares tão próprias ao paladar do coração. E quem mergulhou no rio Una, em Pirangi e no Riacho dos Cachorros, sabe. Prove do som dele e verá.
ESTIGMA, parceria de Ozi dos Palmares com Luiz Alberto Machado
Toda vez que penso em ti vejo ouro
pois tu és a minha jóia rara
céu de azul e furta-cor
promessa de flor, prisioneira da vida
dúvida do ser para amar
porque já se amou
pois já que tu és a promessa
de um sonho por se realizar
pra viver e ser feliz e jamais
será fuga de um beijo
ou desejo fugaz
enquanto não se chora uma dor
a gente poderá ser feliz muito mais.
Ouça “Estigma” na Trama.
Agora sem mais rodeios, quero trazer pra você uma entrevista exclusiva concedida por ele pro Música, Teatro & Cia. Digo logo – e sou suspeitíssimo para me aventurar a dizer mais qualquer coisa, mas tô nem aí, é só curtir o som dele e constatar - que se trata de um dos mais promissores nomes da nova música brasileira. Alem dos álbuns lançados e já mencionados, ele tem recheado a panela com as mais alvissareiras expectativas acerca do seu talento e trabalho, chamando atenção de artistas como Dominguinhos, Xangay, Maestro Spok, Rosa & Rosinha, dentre outros.
Com vocês, Ozi dos Palmares.
MT&C - Ozi, vamos para pergunta de praxe: como e quando se deu seu encontro com a arte? Ou melhor: fala como foi que tudo começou para Ozi dos Palmares?
Tudo começou muito cedo, desde menino. O primeiro instrumento que ganhamos, meus irmãos e eu, de meu pai, foi uma gaita, aos seis anos. Também fui influenciado por meu pai, musico clarinetista da banda dos Ferroviários.
MT&C - Quais as influências que determinaram a sua formação de artista?
As influencias são muitas e diversas, mas para citar algumas: Quinteto Violado, Quinteto Armorial, Banda de Pau e Corda, Luiz Gonzaga e os frevos de Nelson Ferreira que meu pai botava na radiola pra gente ouvir.
MT&C - Qual a representatividade de Palmares na sua obra musical?
A Palmares da minha infância era um celeiro artístico muito produtivo. Eu via desfilar pelas ruas personagens populares com uma musicalidade latente.
Na adolescência e juventude, se deram encontros com amigos na mesma sintonia musical, conjuntos de baile e a participação nas primeiras feiras de música promovida pelo poeta e produtor cultural Juareiz Correya.
OZI & ALVORADINHA, de Luiz Alberto Machado
ALVORADINHA
MT&C - Em 1997 você lançou "Estréia", como foi a receptividade do seu primeiro álbum e como se processou o formato e a proposta do trabalho?
O primeiro cd foi uma experiência positiva e muito boa, “Estreando” no mundo fonográfico digital. O trabalho tem um formato diversificado que vai desde “Essa cantiga vai virar sucesso”, um rock repente à “Zumbaia”, um maxixe, tudo o que está ali resultou num caldo muito saboroso.
MT&C - Em 2002 você lançou "No canto da boca" onde você traz uma série de inovações com trabalho vocal e um trabalho autoral mais expressivo. Como foi a experiência deste álbum?
Eu queria fazer algo diferente do primeiro, mais acústico e usando elementos primitivos como a voz e os recursos vocálicos – primeiro instrumento humano. Quis expressar mais os timbres vocais, pois já vinha fazendo uma espécie de laboratório em shows e então decidi levar tudo isso para o estúdio, o que resultou no cd “No canto da boca” que é um trabalho bem expressivo, com uma marca muito particular. Foi a partir daí que criei um diferencial no meu trabalhão na maneira de executar e interpretar a minha arte.
MT&C - Você lançou recentemente o seu terceiro álbum,”Vontade”, onde você consolida o seu trânsito por diversos gêneros musicais, especialmente o samba e o frevo. Como está a receptividade do seu trabalho?
A receptividade está sendo muito boa!!! O ponto de partida para a escolha do repertório foi a música “Amar salgado”, cuja poesia é da minha amiga açoreana, Cecilia Maciel. Eu também já vinha compondo algumas baladas, boleros e canções, inclusive com outros parceiro, como é o seu caso, Luiz Alberto. E achei que era o momento certo para fazer um cd com esse perfil mais romântico.
Como sou um divulgador voluntário do frevo e um pernambucano na essência, não poderia deixar de render minha homenagem a este gênero musical, através das músicas “Frevo em Bach” e “Oswaldinho no frevo”.
MT&C - Você tem participado de shows e discos de diversos artistas de renome das mais diversas vertentes musicais. Fala dessa relação com uma variedade enorme de artistas, inclusive da experiência no projeto Forroboxote do nosso amigo Xico Bizerra, relatando pra gente o que estas parcerias têm contribuído na sua formação de artista?
Esses encontros se dão de forma natural, fruto das minhas andanças e contatos com diversos artistas como Dominguinhos, Xangai, Sivuca, Irah Caldeira,Adilson Godoy, Oswaldinho do Acordeon e outros.
Em 2000 conheci Xico Bizerra através do musico e amigo Fred Monteiro e na ocasião fui convidado por Xico, para uma entrevista em seu programa na Radio Pacolandia, em Recife. A partir daí surgiram as primeiras parcerias no projeto Forroboxote. Quero deixar registrado que é uma grande honra pra mim tê-lo como amigo e parceiro.
Um outro grande momento foi meu encontro com a Spok Frevo Orquestra, em turnê pelo estado de São Paulo, como convidado especial em suas apresentações no Sesc Araraquara e no Teatro Municipal de Ribeiro Preto. Foi a realização de um sonho, sonhado com o maestro Spok, por volta de 2003, de que um dia levaríamos o frevo por todos os cantos do Brasil e do mundo.
MT&C - Você tem viajado pelo Brasil afora e sempre tocando frevos, maracatus e ritmos impressos na sua pernambucanidade, mas também bastante dosado de muitos outros gêneros musicais. Como você sente a receptividade à sua música e como você, pernambucano que é, tem sido recebido pelo público brasileiro?
Sou sempre recebido com muito entusiasmo e carinho de todas as pessoas por onde passo. Isso prova que a nossa musica, e principalmente a pernambucana, tem hoje seu lugar merecido.
MT&C - Você além de compositor que faz um trabalho autoral muito expressivo, também é músico que tem trabalhado o instrumento como o violão, ousando em viagens vocálicas. Fala a respeito desta proposta musical fazendo uma avaliação de sua trajetória desde os palcos de Palmares com seus frevos e sons de raiz até chegar no "Vontade".
Desde a minha adolescência e da minha saída de Palmares até hoje, tenho procurado me aperfeiçoar cada vez mais através dos estudos, leituras e pesquisas, que me levam de encontro com o global, sem esquecer minhas origens, meu local.
MT&C - Quais as perspectivas e projetos de Ozi de Palmares? Tem novidade a caminho?
Fui convidado a participar de mais um projeto do poeta e produtor Xico Bizerra, que já está em estúdio, alem de outros projetos em elaboração. Tenho me apresentado em diversos palcos, com meu mais recente show, o “Andejo” no qual eu traço um pouco de toda minha trajetória musical.
Quero agradecer a oportunidade dessa entrevista ao meu amigo de velha jornada.
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