sexta-feira, outubro 12, 2007

DAS NOVIDADES & COISAS & COISAS.



Imagem: Marcio Baraldi.

A BANDA DE MANÉ PRETO

Luiz Alberto Machado

Gente, eu já ouvi de tudo, mas essa banda é a maior tronchura. Juro! Eles são tanto hors concours, como sui generis e mais superlativos exagerados que deixam a idéia tanto para infortúnios como para fenômenos inexplicáveis. Isso mesmo. Essa a atitude assumida por eles. E começa pelo nome: o primeiro de batismo foi “Zumbido da porra”, mas logo mudaram porque os integrantes não acharam a menor graça. Depois foi “Arrepiando as pregas”, satisfazendo a todos pela ausência de coisa melhor. Enfim, vieram os “Zoando a fole”, “Torando tudo” até passar pelo “Cacete a quatro” e, enfim, depois de muita lengalenga chegaram no “Além do 8 e do 80”. Na verdade, por causa das imprestáveis idéias que beiravam o cúmulo do insensato, nome em definitivo, até hoje, não tem, sendo, portanto, conhecida apenas por Banda de Mané Preto.
Pela atitude bisonha deles, a questão passa a ser uma das características fundamentais da banda: os inomináveis. Isso, claro, sintetizando bem a idéia que eles querem passar da bizarrice embrulhada toda.
O som. Bem, o som da banda se parece com algo que, segundo a enrolada de língua deles na pronúncia desdentada, deixa apenas entender, assim, de relance que se trata de alguma coisa que se identifique perto do pós-dodecafônico, do ultratonal. Explicação: não tem. Isso porque primeiro não se entende nada do que dizem e porque foram duas palavras escolhidas a dedo por eles para justificar alguma coisa de proposta sonora. Com certeza, gente, John Cage ficaria de queixo caído se visse. Inacreditável mesmo tanta microfonia, dissonância, pancada, ruído, barulho, doidice, inaptidão, tranqueira, busuntice, tudo junto no maior pandemônio. Doideira pura.
Os integrantes: 5 maloqueiros que se dizem lá à maneira deles - e quase não se deixando entender -como indie, trash, headbanger, darks, hard, groove, heavy, grunges, punk, ska, blacks, surf music, cover drags e o escambau, ou tudo isso junto na maior pauleira com mais uma porrada de coisa não identificável.
O cantor, ou melhor, como ele mesmo se diz crooner, é o Mané Preto, sujeito aparentemente meio que aluado-abilolado que é dito personal traineé de galo-de-briga e achegado a um criatório de coleópteros, que só aparece de noite zanzando com os lábios pocados de choque elétrico de tanto babar no microfone e sempre fazendo sua performance no palco com seu ar de defunto de olhos arregalados, na companhia de dois enfermeiros prontos com uma camisa-de-força para sacudirem o rapaz no primeiro hospício que encontrarem.
O guitarrista mesmo é um sujeito com cara de bad boy, cintura-de-ovo, uma roupa surrada colada no couro porque nunca foi trocada nem lavada vez que ele é avesso à higiene seja de que natureza for, só toca com um alicate na boca para não engolir a língua de tanto sopapo nos solos arrancados.
O contra-baixista é um vesgo bisonho e banguela, todo ajegado e troncudo, que toca um instrumento que mais parece um cabo de vassoura enfiado numa bacia, sempre desligado para que o sujeito não seja eletrocutado assim sem mais nem menos. Mas que o troço faz uma barulheira infernal, faz. Como? Não sei.
O tecladista que é um magricela varapau só toca de sarongue e luvas daquelas de eletricista, o que dá maior estranhice ainda, vez que coloca todos os dedos por todos os tons ao mesmo tempo, não dando para se identificar qualquer linha melódica possível. Ou seja, é um verdadeiro desarranjo a coisa toda.
O baterista, esse o mais presepeiro com cara de calango e jeitão de bacamarteiro, toca um bocado de bombo com penduricalhos de toda natureza, mais uns artefatos meio amalucados e, com certeza, ignoráveis, que vão desde o peido-de-véia até um punhado de morteiros e granadas.
O disco: não tem; isso por dois motivos. O primeiro, é que só nos ensaios causaram tantos desastres nos estúdios que ninguém quer vê-los nem pintado a ouro. O segundo, porque conforme apreciação mais cuidadosa e cientificamente comprovada, o cd executado poderia possibilitar um apocalipse no recinto do ouvinte. Resultado: opção deles pela marginália, completamente fora dos veículos de comunicação, sobrevivendo, apenas, dos imprevisíveis shows prestigiados pela platéia cativa que ninguém nunca viu nem sabe quem é.
O show: esse nunca tem hora, nem data nem local marcado. A agenda, pelo que se sabe é só no boca a boca. Isso por serem pior que Tim Maia e, também, por não contarem nunca com o apoio da polícia e demais autoridades que querem enquadrá-los nos diversos artigos e incisos do Código Penal pelo desmantelo provocado a cada tocada.
Claro, no primeiro acorde da abertura morre logo um de ninguém saber de quê. Dizem os linguarudos que quem só prestigia os “concertos” deles é somente caboeta-de-funerária, papa-defunto, coveiro e vendedor de seguro. Claro, isso todo mundo precavido com indumentária preventiva, né, só para se aproveitar dos bestas que passam desavisadamente por onde ocorre o estrupício.
A última apresentação: uma catástrofe. Só com a subida deles ao palco, bastou contarem 1, 2, 3 caiu a calça de um idoso que saiu berrando que queriam estuprá-lo. Enquanto o baterista marcava nas baquetas pipocou uma lâmpada. Quando fizeram que iam tocar, caiu uma parede e matou logo dois. Quando o acorde foi executado, tiveram que chamar o corpo de bombeiros para apagar tudo. Maior bronca de buruçu da gota!
Pelas razões mencionadas eles conseguem ser os famosos mais anônimos, além de premiados detestáveis e contraditoriamente celebrados por uma trupe que prestigiam todas as suas sandices.
Ainda ontem cruzei com Mané Preto todo sorridente como se nada tivesse ocorrido.
- E aí, Mane, tudo em riba? -, perguntei.
- Tudo iscorrendo na calha. – respondeu-me.
- E os shows?
- Ah, rapaize, os bombêros atrapaiaram o shô da genti. Toda veizi aconteci isso. Essis cara parece que tem acordo com minha mulé e minha sogra Bushit.
- Ué, por que?
- Os cara num gostam, né? Quano tô em casa a mulé e a sogra só mi trata com uma saraivada de panela que só faiz galo no meu quengo. Quano vô pra rua fazê shô, os bombêros tascam maió aguacêro n´eu.
- É mesmo, por que?
- O som da genti é per... per.... per.... pefumático, pefomá... profumático, pe.... pé de pasparaio a quatro, ora!
- Performático?
- Isso, isso mesmo. E a mulé e a sogra só me chama de traste imprestáve. Coisa de lôco mermo, rapaize. Num sei mai o qui fazê, ora.
É parece mais que Mané Preto e sua trupe, que são gente boa pra caraca, querem mesmo tocar fogo no mundo, literalmente, com toda maluquice de suas desarmonias antimusicais. Dá pra ver. Eu, de mim mesmo, adoro essas invencionices! Bié, bié, glup, glup!

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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